quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Ironia e reflexão na 27ª Bienal de SP - Revista Cult
Mostra apresenta seminários introdutórios às questões que permearam as escolhas da curadoria

Pistas do que o público irá encontrar na 27ª Bienal de São Paulo foram dadas durante o primeiro, de seis seminários, que a organização preparou para aproximar o expectador da proposta curatorial dessa edição. Sob o título “Marcel, 30”, seis palestrantes, entre os quais a própria curadora da Bienal, Lisette Lagnado, apresentaram para um público de mais de 500 pessoas as idéias construídas pelo artista belga Marcel Broodthaers, morto em 1976.

As relações da arte com as instituições, com a crítica e com o mercado são questões elaboradas por Broodthaers que estarão presentes na próxima Bienal, com abertura marcada para 17 de outubro. Entitulada “Como viver junto”, em referência aos seminários desenvolvidos por Roland Barthes que resultaram no livro de mesmo nome, a mostra tem como fundamento as idéias construtivistas de Hélio Oiticica. Embora a obra de ambos os artistas parta da mesma problemática, eles encontraram caminhos quase opostos para criticar a institucionalização das artes. Enquanto o belga criou um museu fictício para legitimar, sempre com muita ironia, o que é arte, Oiticica rejeitou o espaço expositivo e a noção de autoria, “o museu é o mundo”, queria o artista brasileiro.

Outra diferença latente entre os dois está no próprio fazer artístico. Enquanto Oiticica parece ser mais intuitivo e trabalhar a partir de uma espontaneidade, Broodthaers elabora sua obra a partir de um discurso. Não se pode esquecer que o belga só inicia suas incursões pelas artes visuais aos 40 anos, até então, ele atuava como poeta. Por partir de uma poesia que fica cada vez mais concreta e, portanto, mais plástica, sua obra está intrinsecamente ligada à questão da linguagem.

Como o artista em questão trabalha com apropriações, essa linguagem se faz presente na re-significação dos objetos que passam a representar algo que está ausente. “Você pode chamar isso de semiótica, mas para Broodthaers era ‘poesia como teoria’. Ele sempre tinha uma maneira poética de discutir as coisas”, comenta o historiador alemão Jürgen Harten, um dos palestrantes, que conviveu com o artista ajudando-o a definir as bases de seu trabalho.

Lisette argumenta que a importância de se discutir Marcel Broodthaers hoje, se dá porque, apesar de pouco conhecido do grande público, ele está presente em toda a produção contemporânea. O artista Ricardo Basbaum, também palestrante no seminário, reitera ao dizer que todo artista contemporâneo, assim como Broodthaers, deve ter um discurso acerca de sua prática e que os artistas deixaram de ser dispositivos artesanais e passaram a atuar na produção de dispositivos sensíveis de pensamento.

O seminário deixou claro que os pontos de contato entre Oiticica e Broodthaers e que, portanto, devem ser assuntos da 27ª Bienal, são a produção de significados que se tornam mais importantes que o objeto artístico, o constante questionamento do papel do artista e o esvaziamento das instituições e da crítica como entidades legitimadoras da arte. Seus discursos são potencializados pela ironia com que tratam esses temas. Hélio Oiticica proporciona conhecimento empírico por meio da participação do público enquanto Marcel Broodthaers exige que o expectador estabeleça relações semânticas entre objeto e arte, ou ainda, entre objeto e vida. Ambos são artistas cuja estética está à serviço não do olhar, mas do pensamento.

A última Bienal recebeu quase milhão de visitantes. Uma curadoria norteada pelas idéias de Oiticica não pode ignorar as expectativas do público. Por outro lado, é difícil garantir que o julgamento extrapole o juízo de gosto. Nesse sentido, os seminários são bem-vindos. Mas há que se considerar que neles não há espaço para a ampliação de público qualificado, tarefa que cabe às instituições de ensino cujo acesso é difícil no país.

Se predominarem trabalhos sob o viés participativo de Oiticica, a Bienal corre o risco de se tornar um playground para o grande público. Por outro lado, os trabalhos que mais se aproximarem do complexo jogo relacional de Broodthaers podem acabar reafirmando o já tão criticado hermetismo da arte contemporânea.

Rafaela Pires

Seminário Internacional da 27ª Bienal de SP
Inscrições: (11) 5574 5922, ramal 257

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Boa noite, sabe o tema para mim é de estrema relevancia, mas a autora de tal materia é tao competente que consegui fazer essa engenheira se prender a bienal..

terça-feira, maio 22, 2007 9:17:00 PM  

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