sábado, outubro 29, 2005

Marina Lima morre e volta má - Revista Cult

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No show “Primórdios”, Marina registra sua marca em canções que vão de Lupcínio Rodrigues à Lê Tigre

Em noite de pura arte no Auditório do Ibirapuera (projeto recém-inaugurado de Oscar Niemayer), em São Paulo, Marina Lima morre de amor cantando “eu só sei é que quando a vejo, me dá um desejo de morte ou de dor”, versos da música Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues. Esse é um dos momentos teatrais que a diretora Monique Gardenberg preparou para “Primórdios”, o novo show da cantora. A produção contou com nomes de peso: da arquitetura -Isay Weinfeld, da dança - Deborah Colker, da moda - Erika Palomino e do cinema com projeções da própria Monique.

É comum que o fator multimídia sirva de muleta para falta de consistência artística. Mas, o que acontece em “Primórdios” é a combinação harmônica desses elementos para enaltecer a voz e a inventividade da cantora que, apesar de ter anunciado um retorno não muito convincente em 2000, só agora parece recuperada de sua tão falada crise.

Marina entra em cena cantando Slide Show at Free University, do grupo Le Tigre. Nessa primeira parte da apresentação, mais eletrônica, tudo nela é sofisticado, do figurino aos arranjos passando por seus movimentos sutis e bem marcados. Depois de dar base eletrônica e alta carga dramática à canção de Lupicínio, ícone da dor de cotovelo, a cantora sai de cena, carregada nos braços de um dos músicos, simulando sua morte. Volta com aquela sua energia dos anos 80 e postura transgressora de rock star. Cheia de atitude, rasga sua guitarra em homenagem a Renato Russo na música Ainda é Cedo.

Em outro momento de homenagem, ela declama o poema Cobra de seu irmão e parceiro musical, Antônio Cícero, ao que segue a música pseudopueril, Bang Bang, My Baby Shot Me Down, trilha do filme Kill Bill. Posa de mocinha, fazendo um tipinho bem afetado, típico da noite paulistana, na interpretação de Vestidinho Vermelho (Beautiful Red Dress, da Laurie Anderson), cena que é a cara de Erika Palomino (teria sido sugestão dela?). A platéia delira com uma Marina se acabando na pista de dança que surge no palco.

O repertório inclui alguns hits como Acontecimentos e Virgem, durante o qual a iluminação lembra “as luzes do Vidigal”, morro carioca citado na música. Mas o que a apresentação trouxe de mais surpreendente apenas poderá ser conferido em São Paulo. Durante a penúltima música, Para um amor no Recife, o fundo do palco do Auditório abre para o Parque do Ibirapuera onde se vê montada uma belíssima cena na qual Marina entrou, sob a fina garoa que caía na noite da última sexta-feira, cantando “não se esqueça, por favor, que eu voltarei depressa. Tão logo a noite acabe, tão logo esse tempo passe, para beijar você”.

Rafaela Pires

quarta-feira, outubro 05, 2005

Fotoclube e fotojornalismo: dois paradigmas da fotografia em debate

German Lorca e Juca Martins protagonizam o encontro “O social e o estético na trama fotográfica”

Caloroso. Assim foi o encontro dos fotógrafos German Lorca e Juca Martins no Fotopalavra, evento promovido pelo Itaú Cultural e pela Cosac Naify, nessa terça-feira (04). O primeiro é dissidente de uma geração de “fotoclubistas” organizada na São Paulo modernista das décadas de 40 e 50. O segundo firma-se como fotojornalista no conturbado cenário nacional da década de 70. Apenas sob a luz do distanciamento histórico é possível vislumbrar o quanto o trabalho de Lorca tem de documental e o de Juca está influenciado pelo jogo estilístico típico da arte, foi o que sugeriu Helouise Costa, curadora do Museu de Artes Contemporânea (MAC/USP), também presente no encontro.

Observar as fotografias de Juca tomadas na década de 70 é perceber o quanto o fotojornalista estava comprometido com a postura de denúncia assumida pelos intelectuais durante os anos da ditadura. Apreciar a fotografia de Lorca é vê-lo maravilhado diante da cidade que crescia otimista. O conjunto de ambos, lado a lado, deixa claro o quanto seus trabalhos refletem o que lhes era contemporâneo nestes momentos. Conforme colocou o fotógrafo e jornalista Eder Chiodetto, mediador do debate, a fotografia de Juca está para a música de protesto assim como a de Lorca está para a Bossa Nova.

Juca apresentou uma fala apaixonada e vigorosa sobre seu compromisso com a fotografia documental e a defesa pelo poder de informação que ela deve ter. Mas, e a estética, onde fica? “A estética tem importância para a eficiência da informação. O fotógrafo interioriza a estética. Essa elaboração é instintiva”, afirma Juca. Pelo modo como ele elabora a questão, manipular a cena ou fazer interferências na imagem, soa como um crime e é justamente nesse território onde se encontram as fotos de sua predileção: as do Instituto Médico Legal, por serem carregadas de informação.

Do outro lado, Lorca apaixonado e sereno, não demonstra nenhum pudor para interferir na cena mas, nem por isso, considera sua fotografia menos documental. “Uma foto acontece para o fotógrafo ou o fotógrafo a faz acontecer. O impacto visual e a mensagem que a foto produz é o que importa. Se o fotógrafo armou, não interessa”, reflete Lorca. Sobre o assunto, Helouise se posiciona, ao analisar uma fotografia de Lorca, “A verdade da imagem não está na captação do real e sim na interpretação da realidade”.

Cada um tem seu método para extrair da realidade uma fração de segundo que se torna mágica por seu poder informativo ou poético. Juca diz que se destacou no fotojornalismo por estar sempre bem informado. Assim, consegue capturar as melhores fotos posicionando-se no lugar certo e reconhecendo as pessoas que possivelmente farão o que será notícia. Lorca diz que os enquadramentos vêm automaticamente. De tanto fotografar, seu olhar já incorporou as regras de harmonia que compõem suas imagens.

Ainda que eles estejam situados em diferentes paradigmas da fotografia, houve, durante o encontro, um momento de reconhecimento mútuo. Juca valorizou a fotografia de Lorca ao admitir que nela também há informação e Lorca apontou questões estéticas em alguns trabalhos de Juca. Ou seja, ironicamente, é quando um reconhece seus valores na fotografia do outro.

Rafaela Pires